24.5.12

Estes dias, algumas manhãs, uma árvore, memórias e uma viagem.


Os dias parecem exactamente aquilo que são, nem curtos nem longos. Começam cedo, pouco antes ou depois do Sol nascer, e eu de cabeça, alma e olhos frescos. Como se o almoço se avizinhasse longe nas horas, o pequeno-almoço é bem composto. Pão alemão e ovo são os maiores aliados ao gosto da boca e ao conforto do estômago. A seguir, agora que o chá não combina com mangas curtas, o café segue sempre. O tempo passa bem porque não o vejo passar, apesar de sentir a sua presença pela textura ondulada que o meu rabo adquire da cadeira de vime. Pela manhã alta abro a varanda e deixo entrar o cheiro inebriante do ligustro-chinês, para manter o espírito elevado.*

(É nesta parte que no meu caderno encontrariam uma divagação de uma página inteira sobre a memória e a indagações sobre a origem da necessidade em recuperar e preservar as nossas memórias mais profundas, não memórias de momentos mas de pensamentos. Para vos abster de possível enfado, passo para aquela parte que toda a gente gosta, sobre comida).

(Mas porque falava delas,) as memórias encontram-se na boca também. São essas as que mais gosto de desafiar. Hoje como tomate como quem come uma maçã, as iscas tornaram-se minhas amigas, a textura do agrião já não me obriga a deixá-lo à beira do prato e por vezes um bom gelado de chocolate pode me proporcionar o maior dos deleites. Por seu turno, a baba de camelo, que tanto me deliciava na minha infância, com pena minha, que é pecado cometeria com maior prazer, já ultrapassa a tolerância glicémica do meu paladar. Maionese e delicias do mar encontram-se de fora, e aí se manterão, bem como o diospíro e os néctares de pêra, manga e pêssego, não pelo sabor mas pela textura. Para quê beber uma substância espessa sem piada nenhuma quando posso comer, trincar, mastigar a coisa autêntica?















Hoje viajei à hora de almoço. Viajei para o Verão e viajei para as Arábias, seduzida por um israelita enraízado em Londres que, ainda que não o saiba, sabe bem do que gosto. Tabbouleh - um prato que me faz esquecer a fome provocada pelas horas perdidas em frente ao computador, para dedicar esmero, tempo e perfeccionismo ao corte do tomate, da cebola e da dose industrial de salsa e hortelã. Duplico a dose dos hidratos de carbono e faço deste acompanhamento original um generoso almoço que refresca e reinicia o corpo para as próximas horas de olhos no ecrã e rabo ondulado.

* Ligustrum sinense: passei duas horas à procura do nome deste arbusto só para o pôr aqui.



Tabbouleh
adaptado de Yotam Ottolenghi

Se verificarem a receita original que serve 4 pessoas, a quantidade de bulgur é mínima, provavelmente por este ser um prato de entrada ou acompanhamento. Deve ir óptimo com borrego ou mesmo um peixe grelhado. Como o fiz para refeição principal, senti a necessidade de aumentar bastante a dose do bulgur, acentuar o sabor da chalota e arrisquei "ornamentar" um pouco mais com um cheirinho a canela e noz-moscada. Pensando que canela e limão são melhores amigos, acabei por obter uma ligação final muito interessante.

60g de bulgur (usei médio)
1 tomate médio, maduro mas firme (150g)
1 chalota média (30g)
40g de salsa
8g de hortelã
1/4 c.chá de pimenta da jamaica
1 pitada de noz-moscada
1 pitada de canela
1 c.sopa de sumo de limão
30ml de azeite virgem-extra
sal e pimenta preta

Cozer o bulgur em água a ferver durante 7 minutos, apagar o lume e reservar tapado para que cresça.
De seguida, passar por um escoador fino sobre água fria corrente até que saia todo o amido e a água corra clara. Transferir para uma tigela média.
Cortar os tomate em pedaços de 0,5cm (uma faca de serra pequena é o ideal) e adicionar à tigela juntamente com todos os sucos do tomate. Picar a chalota o mais finamente possível e adicionar igualmente à tigela.
Unir os talos da salsa e apertá-los firmemente. Com uma faca grande e bem afiada, aparar o fim dos talos e picar as ervas o mais finamente possível, com uma grossura não superior a 1mm (se não conseguirem à primeira, piquem novamente com a ponta da lâmina). Adicionar à tigela.
Arrancar as folhas de hortelã dos talos, apertá-las firmemente e picar tal como a salsa.
Adicionar á tigela com o sumo de limão, o azeite, as especiarias, sal e pimenta. Provar, acertar o tempero e servir à temperatura ambiente.
Muito importante: não esquecer de levar uma colher para apanhar os maravilhosos no fundo da tigela.


serve 1



a ouvir: Traz d'Horizonte - Cesária Évora



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