31.5.12

Primeiras in-spirações, primeiras in-venções

Era Setembro de 2007. Decidimos as três fazer uma prenda para um amigo. Ofereci a minha casa, a parede roxa do meu quarto e a minha câmara. Sei que tínhamos fome e apeteceu-me improvisar, palavra de honra que não sei porquê, até à data não cozinhava simplesmente. E mesmo depois, só dois anos mais tarde a febre começou. Não me lembro de muito mais - maldita memória de elefante - mas lembro-me dos sabores, da sensação de descoberta do improviso pelo instinto. Não é nada de mais, mas para mim foi muito. Foi tanto que ainda hoje foi o meu almoço.
Agora que pela primeira vez traço os ingredientes numa lista, esta é sem dúvida uma combinação curiosa: não é italiano, apesar da massa, não é oriental, apesar dos rebentos de soja, não é americano, apesar do ketchup. É comida de improviso, é o que é. E uma refeição de tupperware no seu melhor.

Por falar em tupperware, foi em três deles que levei este simples bolo aos meus fiéis degustadores. Balanço muito positivo pelo que pude constatar. As 14 fatias foram poucas, mas ficou a promessa de mais, se não do mesmo certamente de algo melhor. Obrigada a todos.






















Bolo crumble de morango com xarope de gengibre caseiro (na verdade é mais uma espécie de cobbler com base de massa de bolo)

P.S: estava eu à procura da origem do ketchup e descubro que a sua etimologia vem do dialecto chinês, sendo que o original em nada se assemelha ao nosso conhecido molho de tomate, açúcar, vinagre e especiarias diversas.





































Penne com atum, tomate e rebentos de soja

Para dizer a verdade nunca fiz qualquer alteração a este prato porque simplesmente nunca achei necessário. É suficiente tal como é, mais sabores só se iriam anular e criar confusão no paladar. Só se substituísse por exemplo o atum por camarão, o ketchup por hoisin e o tomate por pimento, por exemplo. Mas isso já seria toda uma receita nova. Fico-me pelo original. Nem a massa pequena eu altero.
O ketchup pode parecer aquela coisa que o pessoal lê e torce o nariz pensando "ketchup? Coisa banal!" mas acredito francamente que muitas vezes o banal pode ser o suficiente para atingir a excelência (vá, o muito bom). 

60g de penne, ou outra massa curta
1/2 cebola média, picada
1 lata pequena de rebentos de soja
1-2 latas de atum (dependendo da fome de cada um)
um fio de azeite, cerca de 1/2 colher de sopa
3-4 c. sopa de ketchup, ou mais a gosto
sal q.b

Ferver uma panela média com água salgada e colocar a massa para cozer, cerca de 8-12 minutos, até ficar al dente, o que varia muito conforme a qualidade da massa: a de marca branca e a de marca especializada infelizmente não tem nada a ver amigos, desenganem-se se acham que são a mesma coisa...
Entretanto preparar o resto da salada. Numa taça ou travessa larga, juntar a cebola picada, o atum despedaçado, os rebentos de soja, o ketchup, o azeite e um bocadinho de sal, não muito porque o ketchup já tem.
Quando a massa estiver cozida, escorrê-la por um escoador e passar por água fria até que deixe de ficar quente.
Adicionar a massa aos restantes ingredientes, envolver tudo, provar e ajustar o tempero se necessário.
Servir à temperatura ambiente ou fria.

serve 2


a ouvir: Fistful of Love - Antony and the Johnsons

24.5.12

Estes dias, algumas manhãs, uma árvore, memórias e uma viagem.


Os dias parecem exactamente aquilo que são, nem curtos nem longos. Começam cedo, pouco antes ou depois do Sol nascer, e eu de cabeça, alma e olhos frescos. Como se o almoço se avizinhasse longe nas horas, o pequeno-almoço é bem composto. Pão alemão e ovo são os maiores aliados ao gosto da boca e ao conforto do estômago. A seguir, agora que o chá não combina com mangas curtas, o café segue sempre. O tempo passa bem porque não o vejo passar, apesar de sentir a sua presença pela textura ondulada que o meu rabo adquire da cadeira de vime. Pela manhã alta abro a varanda e deixo entrar o cheiro inebriante do ligustro-chinês, para manter o espírito elevado.*

(É nesta parte que no meu caderno encontrariam uma divagação de uma página inteira sobre a memória e a indagações sobre a origem da necessidade em recuperar e preservar as nossas memórias mais profundas, não memórias de momentos mas de pensamentos. Para vos abster de possível enfado, passo para aquela parte que toda a gente gosta, sobre comida).

(Mas porque falava delas,) as memórias encontram-se na boca também. São essas as que mais gosto de desafiar. Hoje como tomate como quem come uma maçã, as iscas tornaram-se minhas amigas, a textura do agrião já não me obriga a deixá-lo à beira do prato e por vezes um bom gelado de chocolate pode me proporcionar o maior dos deleites. Por seu turno, a baba de camelo, que tanto me deliciava na minha infância, com pena minha, que é pecado cometeria com maior prazer, já ultrapassa a tolerância glicémica do meu paladar. Maionese e delicias do mar encontram-se de fora, e aí se manterão, bem como o diospíro e os néctares de pêra, manga e pêssego, não pelo sabor mas pela textura. Para quê beber uma substância espessa sem piada nenhuma quando posso comer, trincar, mastigar a coisa autêntica?















Hoje viajei à hora de almoço. Viajei para o Verão e viajei para as Arábias, seduzida por um israelita enraízado em Londres que, ainda que não o saiba, sabe bem do que gosto. Tabbouleh - um prato que me faz esquecer a fome provocada pelas horas perdidas em frente ao computador, para dedicar esmero, tempo e perfeccionismo ao corte do tomate, da cebola e da dose industrial de salsa e hortelã. Duplico a dose dos hidratos de carbono e faço deste acompanhamento original um generoso almoço que refresca e reinicia o corpo para as próximas horas de olhos no ecrã e rabo ondulado.

* Ligustrum sinense: passei duas horas à procura do nome deste arbusto só para o pôr aqui.



Tabbouleh
adaptado de Yotam Ottolenghi

Se verificarem a receita original que serve 4 pessoas, a quantidade de bulgur é mínima, provavelmente por este ser um prato de entrada ou acompanhamento. Deve ir óptimo com borrego ou mesmo um peixe grelhado. Como o fiz para refeição principal, senti a necessidade de aumentar bastante a dose do bulgur, acentuar o sabor da chalota e arrisquei "ornamentar" um pouco mais com um cheirinho a canela e noz-moscada. Pensando que canela e limão são melhores amigos, acabei por obter uma ligação final muito interessante.

60g de bulgur (usei médio)
1 tomate médio, maduro mas firme (150g)
1 chalota média (30g)
40g de salsa
8g de hortelã
1/4 c.chá de pimenta da jamaica
1 pitada de noz-moscada
1 pitada de canela
1 c.sopa de sumo de limão
30ml de azeite virgem-extra
sal e pimenta preta

Cozer o bulgur em água a ferver durante 7 minutos, apagar o lume e reservar tapado para que cresça.
De seguida, passar por um escoador fino sobre água fria corrente até que saia todo o amido e a água corra clara. Transferir para uma tigela média.
Cortar os tomate em pedaços de 0,5cm (uma faca de serra pequena é o ideal) e adicionar à tigela juntamente com todos os sucos do tomate. Picar a chalota o mais finamente possível e adicionar igualmente à tigela.
Unir os talos da salsa e apertá-los firmemente. Com uma faca grande e bem afiada, aparar o fim dos talos e picar as ervas o mais finamente possível, com uma grossura não superior a 1mm (se não conseguirem à primeira, piquem novamente com a ponta da lâmina). Adicionar à tigela.
Arrancar as folhas de hortelã dos talos, apertá-las firmemente e picar tal como a salsa.
Adicionar á tigela com o sumo de limão, o azeite, as especiarias, sal e pimenta. Provar, acertar o tempero e servir à temperatura ambiente.
Muito importante: não esquecer de levar uma colher para apanhar os maravilhosos no fundo da tigela.


serve 1



a ouvir: Traz d'Horizonte - Cesária Évora



21.5.12

um dia que são dias











Barcelona, Abril 2012



Ás vezes apetece desistir. Mais vezes do que gosto de admitir. Aspirar à mediocridade, alimentar
a mediania. Desculpem-me o abuso quase obsessivo de palavras do dicionário.
Estou confusa e zangada. Valham-me os livros, que desta nem a comida.


"Este livro parece vindo da possessão. Como se Emily Brontë se sentasse no tripé da sibila e a sua boca fosse rasgada a ponto de sangrar, tão bruta era a passagem da palavra."

Prefácio de Hélia Correia em Wuthering Heights

16.5.12

bons dias

Não me reconheço, estou rendida aos kiwis. Biológicos sim, como as tangerinas. Poderão dizer alguns que é sugestão. Pois eu digo que não é, não. E que fosse! Assim não me importo de ser "sugestionada". São maravilhosos.



pão maravilhoso-denso-rico-saboroso-carissimo!-alemão com queijo-creme, peito de perú e tangerina.



pão com queijo-creme e le beau kiwi.

torrada com queijo-creme e mel, meloa e chá verde.

11.5.12

Ode à Primavera da mãe e o princípio de uma revolução

revolução
(latim revolutio, -onis)
s. f.
1. [Astronomia] Marcha circular dos corpos celestes no espaço.
2. Período de tempo que eles empregam em percorrer a sua órbita.
3. [Física] Movimento de um móbil que percorre uma curva fechada.
4. [Geometria] Movimento suposto de um plano em volta de um dos seus lados, para gerar um sólido.
5. [Mecânica] Giro completo do eixo de um motor ou de qualquer peça em movimento giratório.
6. [Figurado] Revolta, sublevação.
7. Mudança brusca e violenta na estrutura económica, social ou política de um Estado: A Revolução Francesa.
8. Reforma, transformação, mudança completa.
9. Perturbação moral, indignação, agitação.
10. Náusea, repulsa, nojo.
11. Modificação em qualquer ramo do pensamento humano: Revolução literária.


Algo está errado quando não nos conseguimos distanciar de nós mesmos. Não é suposto esgotarmos os nossos prazeres. Por vezes são esses pequenos abrigos que parecem funcionar na vida, e colocamos neles tanta pressão na sua "função", que será a de fazer sentir bem para viver o resto do dia de forma suportável, que acabamos por assassiná-los. E fica-se com nada. Apenas com uma ilusão de que ainda obtemos algo que na verdade foi já substituído, abafado pela ansiedade de tudo o resto. E esse tudo o resto parece-me literalmente Tudo ultimamente, e quer o sentimento seja ou não partilhado por outros, como já me constou, para mim não é aceitável, não é suposto e incomoda-me.
Disse a um amigo no meu discurso repetidamente mono-centrado (de que mais posso falar senão da única realidade que conheço, que é a minha?) que já não quero mais isto. Quero outra coisa. Experimentei esta vida e não estou a gostar de me ver com ela. Posso mudar o espelho ou a vestimenta e estou tentada a mudar os dois. Estranha analogia. Não vale a pena ter o espelho se me sinto nua. O corpo precisa de se envolver em algo com que se sinta bem. Mas isso só acontece se gostar daquilo que vejo.
Vou abrir o casaco, tirar o soutien, soltar o cabelo, remover a maquilhagem, abrir um buraco no cinto, desabotoar o botão do colarinho, mudar a mala por uma bolsa. Ou então vou apenas dar um passo atrás, ou mil, ou ver-me de três quartos ou de perfil. Vou mudar o que agora puder até porque o calor está a vir. Eu adoro Sol, adoro. Mas não me quero queimar ou desidratar. E adoro comida, adoro. Atendam na analogia.

Por isso vou-me afastar um pouco antes que bata com a cabeça no vidro transparente. Apenas um pouco. Porque continuo aqui e quero continuar a partilhar coisas doces, amargas, salgadas, ácidas e comida pelo meio, como esta pequena refeição a exaltar os ares da Primavera que tarda a vir e um bolo podre, colaboração entre avó e neta, após compromisso assumido durante uma das exaltações recorrentes aos tempos idos da avó nas cozinhas de Reguengos. Tudo para celebrar a Mãe.























Pargo com batatas e espargos assados no forno
À medida que o tempo vai passando, o aroma frutado que se liberta do forno como bailarina que dança pela cozinha é absolutamente divinal. O modesto molho de iogurte equilibra sabores e gorduras, dando um toque final fresco e vibrante a todo o prato. Se não fosse a picuinhice do membro mais novo com todo o peixe que tenha mais espinhas que um douradinho tinha escolhido linguado ou solha, que já há muito que tenho vontade de experimentar cozinhar. Em alternativa decidi-me por filetes de espargos (pedi para arranjar na peixeira), com uma carne magra ideal para acompanhar as batatas e apenas precisa de poucos minutos para ficar perfeito - o essencial é pele para baixo na frigideira quente.

500g de espargos, aparados na base e cortados em 3
700g batatas pequenas farinhentas
sal grosso e pimenta preta fresca moída
azeite q.b
1 bolbo de alho, partido em dentes
vinagre balsâmico
uns bons goles de azeite
35g de manteiga, cortada aos cubos
1 clementina
1 grande ramo de salsa, picada
1 pequeno molho de cebolinho
250g de iogurte grego

5 pargos, arranjados em filete (ou seja, 10 filetes)

Pré-aquecer o forno a 190ºC. Descascar as batatas e acertar o tamanho a alguma mais irregular - se não tiverem tamanhos aproximados não irão ficar cozinhadas por igual. Lavar as batatas em água fria e colocá-las numa grande panela, cobrir com água fria e temperar bem. Levantar fervura e cozer por 6-7 minutos, para que fiquem parcialmente cozidas.Escoar as batatas e reservar 3 minutos. Dar uma agitadela ao escoador com as batatas para que ajudar a que se enfarinhem para que mais tarde fiquem super estaladiças.
A esta altura, escolher a combinação de sabores desejada. Colocar as batatas num tabuleiro de forno, numa só camada, adicionar a manteiga, temperar bem com sal e pimenta e envolver.
Colocar as batatas no forno durante 30 minutos até estarem ligeiramente douradas e cerca de 2/3 assadas.
Passado esse tempo, esmagar cuidadosamente cada batata com um esmagador de batatas (uma espátula-escumadeira também serve!) para aumentar a área de superfície em contacto com o tabuleiro para que fiquem o mais estaladiças possíveis. Adicionar um gole de azeite numa pequena tigela, 2/3 da salsa, 2/3 do bolbo de alho, um gole de vinagre balsâmico e 2/3 da tangerina. Esfregar tudo e mexer um pouco.
Adicionar a mistura e os espargos sobre as batatas, envolver, dar uma boa agitadela ao tabuleiro e devolver ao forno quente durante 40-50 minutos até estarem perfeitas. Quer-se batatas bem douradas, crocantes e suaves por dentro, borbulhantes e os espargos crocantes e dourados.

Numa taça, envolver o cebolinho, o iogurte, o resto da salsa, do alho e o sumo da restante clementina. Adicionar um fio de azeite, sal e pimenta a gosto. Provar e ajustar o tempero.

Temperar a pele dos pargos com sal e fazer uns cortes para que não enrole ao fritar.
Numa frigideira larga, adicionar azeite apenas para cobrir o fundo. Quando estiver bem quente, adicionar os filetes com a pele virada para baixo e deixar apenas durante 2-3 minutos, até estar dourada e estaladiça. Virar o filete e selar. Retirar da frigideira para um prato com papel absorvente e cozinhar os restantes filetes.

Servir tudo bem quente com uma colherada do molho por cima do peixe e um copo fresco de vinho verde!

serve 5-6


























Bolo podre

Se as claras não ficarem totalmente em castelo o resultado será um bolo ligeiramente mais denso (o que na minha opinião não é necessariamente uma coisa má, apesar de já fugir do que se espera de um autêntico bolo podre). O bolo torna-se ainda melhor no dia a seguir a ser feito, quando os sabores estão mais intensos, e conserva-se muito bem durante pelo menos 5 dias.

250ml de mel (usámos de rosmaninho)
250ml de azeite virgem-extra
250g de açúcar
1 c. de sobremesa de canela
1 limão
6 ovos
350g de farinha de trigo
1 c. de chá de fermento em pó

Pré-aquecer o forno a 180ºC com a prateleira no meio (não façam como eu que me esqueci e deixei em baixo, outra vez...).
Juntar o mel com o açúcar, o azeite e a raspa do limão. Bater tudo muito bem até obter um creme fofo e esbranquiçado. Juntar as gemas, uma a uma, batendo bem entre cada adição. Aromatizar com a canela. Bater as claras em castelo bem firme e envolver com o preparado anterior, alternando com a farinha, previamente peneirada com o fermento.Untar com azeite uma forma (utilizei com 24 cm) e deitar o preparado. Tapar com papel vegetal e levar ao forno cerca de 20 minutos. Retirar o papel e deixar cozer mais 40-45 minutos ou até estar cozido e bem dourado. Façam o teste do palito mas tenham cuidado para o bolo não ficar demasiado seco.
Retirar da forma e deixar arrefecer totalmente antes de servir, só ou acompanhado de uns morangos, um Porto (sim...) ou um chá de lúcia-lima ao pequeno-almoço.

serve 12


a ouvir: Beleza Pura - Caetano Veloso

3.5.12

cinzento-vento-tento-lento-tempo-alimento

Bird by bird, repito para mim. Enquanto lentamente ultrapasso a indignação, elimino a vontade de berrar e a auto-vitimização, até conseguir relaxar o corrugador do supercílio e confrontar a desmotivação crónica que me afecta os maiores prazeres, liberto-me da rotina através da rotina, na cozinha. Sempre diferente, fácil, rápido, sem pensar. Apenas para aproveitar.




spaghetti aglio e oglio, como quem diz esparguete salteada com azeite, alho, salsa e malagueta.


risotto super fácil (sem caldo de legumes, com este molho na base do refogado e vinho tinto a substituir o vinho branco) com tomate e oregãos. No cheese needed. 
(incrível como se apanha rapidamente o jeito a um prato destes. E quando se cozinha para um é menos de metade do tempo)


pseudo-queijadas com restos de massa filo, queijo creme, ovo e doce de abóbora da Lídia que precisava de ser acabado. Quente, estaladiço, leve, cremoso e doce q.b.


p.s. agora que reparo: salsa da avó, oregãos do tio e doce do avô.



a ouvir: Fast Car  - Tracy Chapman