10.7.13

quick quick slow

Começo por deixar aqui o meu programa de rádio preferido. Só não gosto muito do nome. Mas de certeza que o Júlio Machado Vaz e a Inês Menezes fariam uma edição de fim-de-semana fascinante sobre quem não gosta de nomes de coisas com forte conotação amorosa, ou como direi eu, lamechas. Eles tem conversas fascinantes sobre qualquer coisa. Fazem uma pessoa sentir-se bem, ainda que não ande especialmente bem. Não que seja esse o caso que me trás aqui hoje. Pelo contrário. Porque falavam à dias do direito à tristeza. E algures naqueles cinquenta minutos de conversa de café + conversa de imperial + consultório psiquiátrico, JMV conta que um dia alguém lhe disse que ele não escrevia porque "ainda não estava angustiado o suficiente".
É. A escrita é um ansiolítico. Mais, é uma espécie de Valdispert e Memofante auto-produzidos. Às vezes também faz o contrário...

É isto. Nos últimos dias a minha única angústia é com as melgas à noite e escolher a roupa para trabalhar, de maneira que vá o mais fresca possível e mantendo o mínimo de decência. É nestas alturas que tenho saudades de trabalhar em casa, onde a decência ficava à porta.




num daqueles raros dias da semana em que me decido a vir para casa a seguir ao trabalho: tartine de pão de centeio com cogumelos pleurothus salteados em lume forte com azeite, alho, limão e salsa e lascas de queijo de ovelha curado Alentejano. E um copo de Esteva tinto (no pictured).
Para fazer rápido rápido. E comer lento.



a ouvir: When I'm small - Phantogram

7.7.13

Descritivo de memória - a primeira tarte



Da primeira vez que fiz esta tarte, há cinco anos atrás, pensei "mal posso esperar para fazer um piquenique!" implicitamente imaginando-a no centro da toalha.
Há cinco anos atrás, tudo nesta tarte era novo, dos ingredientes à confecção. A área da casa era o meu quarto e a sala, não a cozinha (ou pelo menos não o a tábua de corte e o fogão). O queijo feta era-me totalmente desconhecido. A quantidade de cebola picada que na altura me parecia astronómica, fazia-me chorar ao fim de meio minuto a cortá-la. O know how de gestão e economia de meios e tempos era nulo.  A completa falta de noção para o que seriam 100ml, a massa comprada folhada em vez de filo, o espinafre descongelado e espremido toscamente que depois resultou em liquido a escorrer pela base amovível da forma da tarte para o fundo do forno. Tudo a conjurar para ser uma experiência a não repetir, não fosse o gozo que me deu ver o resultado final do meu árduo esforço e empenho e, claro, não fosse o sabor.


Hoje, finalmente, o piquenique chegou. E com 5 anos de ligeira obcessão e dores de cabeça, encantos e desencantos, queimaduras e revelações, experiências e experimentações, gostos adquiridos, ensinados e, atrevo-me a dizer, aprimorados, faço-a e como-a com a mesma satisfação da primeira vez. Agora a cebola corta-se em dois minutos, o espinafre é escorrido e descongelado com antecedência, a massa escolhida de acordo com o mood do momento, uma coisa ali acrescentada, outra retirada, técnicas aprimoradas e o contentamento de sentir que é mais uma receita que já faz parte de mim. Do meu repertório, se quiserem. Não tem tanto a ver com ser original ou de minha autoria, mas antes com uma sensação de entendimento, de domínio e familiaridade com o processo e resultado. Como se fosse um quarto, uma divisão da casa, ou mesmo uma cidade, um lugar onde passamos tanto tempo ou que é tão especial para nós que se torna uma extensão nossa. Já conhecemos os quatro cantos mas podemos experimentar tudo o que quisermos nela, com a confiainça de quem sabe o que faz, sabendo sempre, igualmente, voltar o seu estado original.



Tarte de Espinafres e Feta
adaptada de Everyday Food

Não se porque fiz aqueles cortes horrorosos na massa da tarte, foi mais um reflexo condicionado do hábito de fazer tartes de massa quebrada. Com massa filo fica muito mais espectacular e rica na textura, mas eu não estava para aí virada, além de saber que, muito provavelmente, com o calor e o efeito de estufa que se ia criar dentro da boleira, de estaladiça não ia ter nada.

60ml + 1 c.sopa de azeite
2 cebolas médias, picadas
3 dentes de alho, picados
sal grosso e pimenta preta fresca moída
840g de espinafres congelados, secos e bem espremidos
225g de queijo feta, desfeito em pedaços 
1/4 cháv. (4 c.sopa cheias) de queijo parmesão fresco, ralado
1/4 cháv. (4 c.sopa cheias) de pão ralado seco
1/2 cháv. salsa fresca, picada
4 ovos grandes, batidos
110g de folhas de massa filo, enrolada e cortada em tiras de 1-2cm ou 1 embalagem de massa folhada

Numa frigideira larga anti-aderente, aquecer os 60ml de azeite a lume alto. Juntar as cebolas e mexer até ficarem translúcidas, cerca de 4 minutos. Adicionar o alho e 1 c.chá de sal grosso e refogar até o alho amarelar, cerca de 2 minutos.
Transferir a mistura para um recipiente grande. Juntar os espinafres, os queijos, o pão ralado, a salsa, 1/2 c.chá de sal, 1/4 c.chá de pimenta, os ovos (guardar cerca de 1 c.sopa de ovo batido para a massa folhada) e envolver tudo muito bem, mas cuidadosamente para não empapar.
Dispor a mistura numa forma de fundo amovível com cerca de 22-24 cm e premir firmemente por toda a base.
Entretanto pré-aquecer o forno a 190ºC.
Num recipiente largo, colocar as folhas de massa filo e envolver com a colher de sopa restante de azeite. Dispor as folhas sobre a tarte folgadamente, cobrindo todo o topo. Para usar massa folhada, basta estendê-la com o rolo até que ganhe dimensão suficiente para que cubra toda a superficie da base e pincelar levemente e por igual com um resto do ovo batido.
Levar a tarte ao forno até a massa ficar bem dourada, cerca de 30/40 minutos.

serve 6 como prato principal, 8-12 como parte de vários pratos



Tapada das Necessidades pelas 15h da tarde, sabe deus com quantos graus á sombra.
Sushi, uma melancia de 7kg, umas coisas horríveis que chamam batata frita, cerveja, sumo, água, cerejas maravilhosas, damascos, petiscos e outros folhados.
A toalha toscamente arrastada de 15 em 15 minutos até chegar à última réstia de sombra existente.


a ouvir: Golden Light - Twin Shadow

25.6.13

crumpets nhom nhom

O titulo é ridiculo, eu sei. Mas é a onomatopeia que me ocorre para descrever estes bolinhos não doces, que tem a textura de uma tigelada mas que não levam ovos, fofinhos e altamente absorventes do que quer que se ponha sobre eles. Ia estabelecer uma comparação com o pão alentejano e o pão alemão - os meus predilectos - mas não o vou fazer. Até porque mesmo entre esses dois não pode haver qualquer tipo de comparação. São opostos mas igualmente bons.

Se descobrir onde se compra estas coisinhas em Terras Lusas, eu direi. Oh se direi... nhom nhom.

E eu sei que ainda não falei de Londres... mas hei-de fazê-lo. Ou então não e também não faz mal.


nts*:
leite fresco no Verão
Dulce Maria Cardoso na Granta 
descer a Alameda descalça a caminho do trabalho.




 Com maçã verde, mel e leite fresco.




 Com xarope de agave, uvas e leite fresco.




Com manteiga, ovo escalfado e um sumo de maçã.


*note to self




a ouvir: Underwater Love - Smoke City

21.6.13

Um festim - levar tudo o que puder, dar tudo o que tiver


É certo que se vão repetir mais Domingos de Sol. E a Primavera também é coisa que há todos os anos. E o mais provável é que daqui a um ano encontrarei no Principe Real a mesma "salada" de coisas boas pré-estivais que encontrei no Sábado. Mas tenho sede de experimentar, uma certa "ganância" de frutas e vegetais que origina a germinação espontânea de ideias, que por sua vez foge do meu controlo, tendo eu nenhuma outra alternativa senão ceder à vontade. Quero fazer agora tudo o que quiser e puder.
Ter à minha disposição coisas tão boas, ricas e honestas é, na verdade, um privilégio bastante barato, mais que justo, tendo em conta o valor do processo, das mãos de quem os leva até mim e dos 
bons momentos que nos ajudam a construir à mesa, lá fora, num destes escassos dias quentes 
difíceis de agarrar. 


Gastronomicamente falando, sinto-me cada vez mais confiante na cozinha, com a "minha cozinha". 
Apesar de cozinhar menos do que há um ano atrás, agora quase sempre que o faço de forma planeada é para todos. É como se a energia que distribuia em todas as pequenas coisas 
que fazia muitas vezes apenas para mim se encontre agora canalizada para estes momentos semanais pontuais em que liberto na cozinha (e no mercado) toda a minha vontade, inspiração, 
animae manifestum, da alma pela alma, daquela pessoa que está cá dentro, imperturbável pelas coisas de fora. 
Tenho uma vontade enorme de dar mais de mim, do meu instinto e inspiração, para não falar de que no fim, não conto apenas com o meu juízo ou validação que valem até certo ponto, mas sim reacções de fora e onomatopeias que valem milhões. Isso é cada vez mais o meu leitmotiv (apesar de sentir que não estou a dizer novidade nenhuma no que diz respeito a mim ou ao chefs em geral, não que me esteja a comparar a eles...).



Cada vez mais, quando sinto que já escolhi a receita certa, sendo que receita implica algo com medidas e dados concretos e o que faço muitas vezes limita-se a um q.b de inspiração meets intuição e mesmo que não saiba ao certo dados, tempos e outras informações de cariz, digamos, científico, práticos para um resultado final perfeito, a minha confiança fica apurada e os erros são muito menos.

Eu não sei se no futuro vou fazer da cozinha o meu local de trabalho ou algo remotamente parecido. Não sei o que é o futuro, quando vai ser ou como. Não assustam estas questões, simplesmente não fazem sentido. O que sei é que o que aqui estou a construir tem um preço enorme e dá-me uma sensação de preenchimento plena, porque é conhecimento e sabedoria conjugados com inspiração e paixão de uma forma que nunca senti, e que nada os pode anular.

As perguntas que mais tenho ouvido ultimamente são "O que é que significa?" (a minha tatoo) e "Então  e que tipo de coisas gostas mais de fazer? (na cozinha)" ou algo dentro da mesma linha. Perguntas difíceis. A resposta à primeira, apesar de bastante simples, ocuparia aqui demasiado espaço e não seria oportuna, pelo que não me apetece responder. A segunda é difícil porque não é uma resposta estanque. Flutua pelos dias, pela minha vontade e pelas circunstâncias.

No entanto, perguntem-me isso hoje e eu responde que hoje, o que maior prazer me dá fazer e comer é isto: produtos frescos sazonais, no expoente da sua qualidade, inspirando receitas - combinações / fórmulas são melhores palavras - simples e frescas, incrivelmente fáceis para a complexidade de sabores e incrivelmente saborosas para simplicidade da sua confecção. Combinações onde o processamento dos alimentos é mínimo porque a sua combinação no seu estado, na maior parte deles, natural, é o suficiente.



Flores de courgette recheadas e panadas

Tive uma sorte desgraçada. As flores eram a única coisa que eu tinha planeado comprar e apoderei-me das últimas flores que a Maria José tinha na sua banca.
Foi a primeira vez que comi flor de courgette. Tem um sabor bastante suave mas são muito agradáveis de comer, principalmente no que toca à textura e à maneira como se conjugam com o recheio e com a "capa" de pão crocante, agri-doce que as envolve. Para uma primeira vez preferi manter as coisas simples: o limão e a salsa são combinações óbvias, requeijão é sempre uma boa alternativa ao ricotta, menos cremoso até, o que me agrada, e o gruyère era o que tinha à mão para dar um bocadinho mais de força aos sabores. No entanto há três coisas que definitivamente não dispensava aqui: o pão ralado, que lhe dá um acabamento panado que nunca seria possível de obter com a farinha (digo eu), e a combinação da flor de sal e xarope de agave no fim: são um touch of heaven que eleva esta receita a um outro patamar. É uma festa de texturas e sabores que exige apenas um bocadinho de cuidado e muita vontade de fazer (e comer).

9 flores de courgette

150g de requeijão
12g de queijo gruyére
uma pitada de sal fino
1/2 c.chá de pimenta preta moída, fresca
1 c.sopa de raspa de limão
1 c.sopa de salsa, finamente picada

2 ovos, batidos
100g de farinha
50g de pão ralado
azeite, q.b

flor de sal
xarope de agave

Misturar os queijos com o sal e a pimenta, a raspa de limão e a salsa.
Cuidadosamente, rechear as flores de courgette com a mistura. Pegar nas pontas das pétalas e cruzá-las cuidadosamente para fechar a flor. Se preferirem, para controlar melhor as quantidades, façam previamente 9 montinhos da mistura antes de rechear.
Arranjar três tigelas e dividir por elas farinha, os ovos e o pão ralado em cada uma. 
Passar as flores pela farinha, sacudir cuidadosamente o excesso, depois passar pelo ovo batido e por último pelo pão, colocando-as numa travessa enquanto fazem o mesmo às restantes.
Colocar azeite numa frigideira larga até fazer 1cm de profundidade a lume alto.
Após 2 minutos, baixar o lume para médio e quando começar a borbulhar colocar as flores, adaptando a temperatura se for necessário, para que fiquem bem douradas após 1 minuto em cada lado.
Retirar com uma escoadeira para papel absorvente e polvilhar com flor de sal.
Antes de servir, retirar as flores do papel, passar com um fio de xarope de agave e servir de imediato.


faz 9 flores, serve 4/5 como parte de uma refeição de vários pratos, ou 9 como entrada




Cenouras baby e cebolas novas estufadas em azeite

Sem querer pensar muito, esta foi a maneira que arranjei para servir estas cenouras inteiras e deixar brilhar todo o seu sabor. Adoro a maneira como os sabores se fundem com o azeite, sendo que este também tem um papel super interessante na maneira como balança a doçura dos vegetais, uma vez que a cebola também tem uma doçura natural que ainda se salienta mais depois de cozida.
Uma vez mais, como foi a primeira vez que fiz algo do género quis manter a lista de ingredientes o mais simples possível, com apenas o necessário para dar um bom equilíbrio de sabores. O limão dá um toque fresco a tudo e a rama da cenoura é bastante aromática, na minha opinião um cruzamento entre cenoura e salsa, o que faz com que seja suficiente para sustentar o resto do prato.

360g de cenouras baby com rama
5 cebolas novas
2 c.sopa de azeite
1 c.sopa de manteiga
sal e pimenta q.b
4 c.sopa da rama da cenoura, picada
cerca de 1 c.sopa de sumo de limão

Combinar todos os ingredientes menos a rama da cenoura e o sumo de limão numa panela larga, numa só camada. Adicionar cerca de 200ml de água. 
Levantar fervura, tapar e deixar cozer lentamente, indo controlando com alguma regularidade após passarem 20 minutos, até que o liquido se tenha evaporado e os vegetais estarem tenros, mas não moles.
Provar e ajustar o tempero se for necessário.
Passar tudo para uma travessa, regar com um fio generoso de azeite, o sumo de limão e finalizar com a rama da cenoura picada.

serve 4/5 como parte de uma refeição de vários pratos ou acompanhamento




Salada de rabanetes, feijão branco, pepino e azeitonas

Frescura ao rubro aqui, não há muito que saber.

260g de rabanetes, cortados em diversos tamanhos e espessuras 
as suas folhas dos rabanetes, ou rúcula, folha de mostarda, mizuna ou outra folha ácida
270g de feijão branco
cerca de 12-15 azeitonas galegas descaroçadas
1 pepino grande, cortado em diversos tamanhos, formas e espessuras
2 c. sopa de sumo de limão
1,5 c. chá de sumac em pó
1 c.sopa de sementes de sésamo, tostadas
sal
2 c.sopa de hortelã, picada

Misturar todos os vegetais numa grande tigela. Envolver com as mãos no azeite, um pouco de sal, a maior parte do sumac, a maior parte da hortelã e o sumo de limão. Provar e ajustar os temperos, se for necessário.
Colocar tudo num prato grande, largo e pouco fundo. Finalizar com as azeitonas, as sementes de sésamo, o resto do sumac e da hortelã, mais um pequeno fio de azeite e uma espremidela do limão (Jamie Oliver's influence, sorry).


serve 6 como acompanhamento, 3 como prato principal





Tarte de mirtilos aromatizada com lúcia-lima e limão
adaptada de Heidi Swanson, Blueberry Lemon Verbena Pie

Estava com umas ganas enormes de fazer esta tarte. Comer mirtilos de qualidade na época é toda uma experiência que não tem nem remotamente a ver com comprá-los... bem, num supermercado convencional em pleno Inverno, por exemplo. O sabor é intenso, são sumarentos e quanto mais maduros mais doces. Não é barato, pois não, mas vale a pena. Quando abri a tarte assustei-me um pouco com a quantidade de líquido que havia no interior porque, na verdade, nunca tinha comido uma tarte de mirtilos antes e não sabia bem o que esperar do resultado final. Mas funcionou para todos. Ficou praticamente uma compota fresca de mirtilos coberta por uma massa ligeramente doce, leve e crocante. Pessoalmente gosto mais de uma massa mais "biscuit-like", como esta do JO por exemplo, mas se preferirem uma coisa mais do género folhada e não tão proeminente, esta serve bem o propósito.

2 receitas desta massa folhada para tartes
100g açúcar de cana natural
20 folhas secas de lúcia lima, picadas
45 g farinha
1/4 c.chá sal fino
1kg / 1,2kg de mirtilos frescos
2 c.sopa de sumo de limão
raspa de 1 limão
1 c.sopa de manteiga
1 ovo, batido
açúcar mascavado, para finalizar por cima


gelado de nata, para servir

Para fazer a massa, ao fazer a última dobra, estender a massa de maneira que o comprimento seja duas vezes a largura do rectângulo e ao dividir resultem dois quadrados. Formar dois círculos com cada quadrado, um ligeiramente maior que o outro, embrulhar cada um com película aderente e refrigerar no mínimo 30 minutos antes de desenrolar para a tarte.

Para o recheio, moer num almofariz a lúcia-lima, a raspa de limão e o açúcar até ficar uma mistura fragrante e húmida, resultante da mistura do óleo das folhas e da humidade do açúcar. Transferir para uma tigela grande e com a farinha e o sal. Juntar os mirtilos e envolver tudo cudiadosamente. Reservar.


Engordurar uma base para tartes de 23-26cm. Estender os dois círculos da massa até que fiquem cerca de 8-10cm maiores que o diâmetro da base de tarte. Cobrir a base com um dos círculos, ajustando-o à forma sem esticar, de forma a que fique cerca de 2,5cm de massa a passar da borda da forma.
Rechear com os mirtilos, regar com o sumo de limão e adicionar a manteiga partida em pequenos pedacinhos. Cobrir com a outra metade da massa e pressionar com um garfo as bordas para selar o interior. Com uma faca afiada, aparar a massa excedente deixando a massa ligeiramente para fora da margem (ver foto). Se amassarem demasiado e sobrar bastante, podem sempre envolver em película aderente e congelar.
Pincelar a massa com o ovo, picar com um garfo ou abrir pequenas fendas com a faca e levar ao forno cerca de 45-50 minutos, ou até a crosta estar bem dourada. Após 25 minutos, polvilhar a crosta com açúcar mascavado grosso e verificar a tarte regularmente para controlar a cozedura da crosta. Se começar a dourar demasiado depressa, cobrir com uma folha de alumínio.
Retirar do forno, deixar arrefecer um pouco e servir, quente ou fria, com a incontornável bola de gelado de nata.

serve 6-8, dependendo da gulodice.




a ouvir: Chão de Esmeraldas - Chico Buarque



5.6.13

bio is the word

Dizem que hoje é o dia do ambiente. Vamos lá deixar de olhar para o biológico como método alternativo e sim como o normal, como desde sempre foi e deve, tem de continuar a ser. Or else vamos todos ficar com um sitio mesmo feio e desagradável para viver, sem o bom tempo e as coisas bonitas de que tanto gostamos e a viver de comprimidos em vez de alimentos.



flocos de aveia tostados com iogurte de cabra de baunilha e os mirtilos mais sucolentos que já comi. Tudo bio.



O meu iogurte preferido no mundo.



a ouvir: 5 Seconds - Twin Shadow

30.5.13

De chiara testa


Normalmente, a minha cabeça anda sempre em todo o lado. Raramente a consigo assentar, o que se traduz em frases desconexadas, bloqueios verbais, alheamento ocasional, uma ridícula incapacidade de focagem na mais mínima das coisas, cansaço mental e, por fim, a exasperação sobre a minha própria condição. Em grande parte, escrevo por ser, quase sempre, apenas assim que me consigo compreender e compreender o que vejo. E vivo. E que os outros vivem à minha volta.

Mas quando consigo (assentar a cabeça), sinto-o. E as coisas acontecem, fluem, não como a corrente de uma cascata, mas mais como um carreiro de formigas, totalmente alinhadas, ordenadas, caminhando sem parar, cada qual uma palavra, formando uma torrente compassada e articulada de ideias, poucas, claras e completas.
Ideias que fluem só ou acompanhada, sob a forma de palavras trocadas em bancos de jardim ou num paredão à beira-rio, sob a forma de um trabalho francamente satisfatório ao fim do dia, de palavras escondidas num caderno, de um desenho rabiscado, de uma mensagem a altas horas da noite ou às primeiras da manhã, ou sob a forma de um banquete prima-estival, como este.

Um festim de ares italianos para um almoço com as minhas pessoas preferidas no mundo, ainda que, invariavelmente, acabemos o serão de trombas, com a voz substancialmente elevada e a pulsação acelerada. Simplesmente é assim. Ficamos tão bem de comida que não suportamos a ideia de acabar o almoço inteiramente satisfeitos. É como se não fosse justo para o resto do mundo.

A ideia partiu do Sol, da copa di testa e do queijo de ovelha e trufas pretas absolutamentes decadentes que comprei numa mercearia italiana no Borough Market. Queria comprar um bom queijo inglês, mas no meio de tanta queijaria, mercearia e charcutaria que havia naquele espaço imenso, pouco mais havia para além do cheddar e queijos franceses. Para isso vou ao El Corte Inglés. Além do mais, senti-me como o Hansel e a Gretel na dita mercearia, o senhor inglessíssimo que me atendeu na pequena salumeria alimentou-me de queijo como se não houvesse amanhã, pegando em cilindros inteiros, talhando-os generosamente ou simplesmente abrindo-os ao meio com as mãos e dando-me de comer, "because that's the only way you can really taste the flavours of the cheese".
Já a copa di testa, desde que li este livro que me ficou na, desculpem mas não resisto, testa, quando a provei pequenos sinos nas minhas papilas gustativas simplesmente cantaram, juntamente com os alarmes de alerta de gordura, mas isso é outra história.

O que aqui ponho não sei exactamente receitas, mas antes uma combinação de pratos com sabores e texturas imensas e super interessantes. Tudo feito em três tempos e sem grandes preocupações. Fluíndo. :)



Marzolino al tartuffo (queijo suave de ovelha com trufas pretas) e bolachas marinheiras

Salada de anchovas e molho de limão e oregãos

Imagino esta salada sobre um lavash ou um naan, enrolado e comido sem demoras...

150g de agrião, lavado e com os talos maiores cortados
2 embalagens de 40g de anchovas em óleo, escorridas

3/4 c.sopa de sumo de limão + 3/4 c.sopa de sumo de laranja OU 1 1/2 c.sopa de sumo de limão
5 c.sopa de azeite virgem extra
1 c.sopa de oregãos secos
flor de sal e pimenta preta fresca

Colocar o agriãos e as anchovas num prato de servir largo e raso, para o molho não ensopar as folhas.
Colocar todos os ingredientes do molho num frasco, agitar energicamente, provar e ajustar o tempero conforme necessário.
Colocar o molho apenas antes de servir. Guardar o que sobrar num frasco.

serve 4 como entrada ou parte de uma refeição de vários pratos




Tartines de copa di testa e pêra

8 fatias pequenas de pão de Mafra
150-200g de copa di testa, cortado em fatias finissimas
1/2 pêra, laminada o mais fino que conseguirem
1-2 c.sopa de salsa, picada finamente
limão, para espremer por cima

Torrar o pão na torradeira ou tostá-lo por igual numa frigideira seca.
Colocar as fatias numa travessa larga. Cobrir cada fatia por igual com a copa di testa, colocar cerca de 3/4 lâminas de pêra sobre cada fatia, polvilhar com a salsa picada e por fim espermer um pouco de sumo de limão para equilibrar com a doçura da pêra e a força da copa di testa.
Servir ainda mornas.

serve 8 como entrada ou 4 como refeição de vários pratos


 

Azeitonas galegas temperadas com alho, azeite, sal e orégãos


Salada de choquinhos grelhados com molho chilli de hortelã e poejos

Não tenho experiência quase nenhuma a cozinhar moluscos, por isso vou por intuição. Apesar disso, prefiro que fiquem pouco cozinhados a ficarem demasiado, secos e borrachudos. Se conseguirem comprar frescos poupam imensas chatisses com a água que contém e a parte da descongelação.
Não medi as quantidades de azeite e limão mas creio que as indicações estão aproximadas. Depois de misturarem, vão provando e ajustando as quantidades de azeite, limão, sal e pimenta however you fancy (adoro a expressão!)

1 courgette pequena, lâminada o mais fino que conseguirem, a ficarem translúcidas
16/20 choquinhos, limpos e arranjados

1 c.sopa de hortelã, finamente picada
1 c.sopa de poejos, finamente picados
1 malagueta ají, ou 1 pimento serrano, sem sementes e fatiado finamente
4 c.sopa de azeite virgem extra
1 c.sopa de sumo de limão
flor de sal e pimenta

Para fazer o molho, colocar todos os ingredientes do molho num frasco, agitar energicamente, provar e ajustar o tempero conforme necessário. Deixar os sabores assentarem e envolverem-se durante uns 30 minutos.
Colocar a courgette espalhada num prato largo e raso.
Grelhar os chocos sobre uma grelha bem quente e pincelada com azeite e deixar apenas por alguns segundos em cada lado até ficarem marcados.
Colocar o choco sobre a courgette e cobrir tudo com o molho antes de servir.

4 como refeição de vários pratos ou 2 como uma refeição leve



Para beber, um bom vinho tinto, obviamente.

a ouvir: Money Trees - Kendrick Lamar

19.5.13

Nabo, chocolate branco e pêra. Brave enough?



Hoje é o Dia Mundial da Fornada, aka World Baking Day. O mote é "we are encouraging you to Bake Brave. Step out of your comfort zone and bake a cake that will push your baking skills to the limit."
Bom as minhas capacidades não foram exactamente puxadas ao limite, mas certamente que a criatividade andou lá perto.

Tenho uma lista de ideias que me vão surgindo para experimentar na cozinha. Inspirações que podem vir de uma receita já existente, de combinações pouco prováveis, entre produtos unicamente sazonais, texturas, de cozinhas étnicas, de duas coisas aleatórias que compro no mercado ou, como é o caso desta, de cor. Branco.
Ok, depois de cozido o bolo não é branco, mas a gema dos ovos é a única coisa que se encontra fora do espectro desta "ausência de cor", passo a redundância.

Acho o chocolate branco enjoativo e tenho a ideia de que, para além do quadrado de Galak que eventualmente provei em criança e que me fez torçer o nariz, sempre restringi o seu consumo ao Kinder, a um ou outro esporádico Magnum Branco e aos chocolates Guylians.
Mas a cor chamou por mim e automaticamente surgiu-me o nabo à ideia para contrabalançar o seu sabor. Porque não? Há bolos com courgette, cenoura, abóbora, beterraba e agora, de nabo. É bom, é branco, é bonito, é um desafio. Quando cozido perde a acidez extrema que tem no seu estado crú e fica até ligeiramente doce. Para atenuar um pouco a intensidade do sabor sem retirar a quantidade de polpa que no fim daria a textura que procurava no bolo acrescentei pêra. Parece uma versão freak show da Santissima Trindade e o resultado é surpreendente.
Pessoalmente, quanto mais comia, mais me apetecia comer. É um primeiro estranha-se mas depois entranha-se que, ainda que não se adore, deixa sempre com um sorriso na cara dos que o provam, dando uma dentada após a outra, com uma expressão de "how's this possible?" no rosto.

Keep open minded, foi a primeira coisa que disse à Sara quando me perguntou do que ia ser o bolo. Depois de ouvir nabo decidiu descer para comprar coisas para fazer um bolo de chocolate, just in case. Mas não foi necessário.

Fiquei mesmo feliz, não tanto por ser um bolo absolutamente fantástico, mas por ser muito bom e por ser meu, claro. Porque às vezes fazemos porcaria e ficamos sem almoço ou temos de ficar a escrever com o teclado de ecrã (private joke, sorry), mas é bom porque aprendemos sempre qualquer coisa para depois outras vezes termos resultados como este. E acima de tudo forma o carácter (ainda a private joke que, na verdade, não é bem uma piada).

Decidi fazer a versão mais básica possível para a partir daqui poder brincar com algumas adições. Da próxima vez vou incorporar nozes moídas ou talvez arandos vermelhos secos ou moscatel. Depois conto como foi.


E porque quero continuar a ter nabos, batatas, tomates, ervas, cebolas do meu avô, avó, vizinhos e amigos, peço-vos que assinem isto AGORA!

We don't accept this. Let us keep our seeds EU!

É um crime e só o facto de esta atrocidade estar prestes a acontecer baixa consideravelmente a minha fé no nosso futuro. E se não sabem o que é, leiam isto.





Bolo de chocolate branco, nabo e pêra

É um bolo muito simples no seu aspecto mas poderoso no sabor. Para o tornar mais bonito só mesmo uma colherada de iogurte grego ou umas fatias de pêra laminadas e embebidas numa simples calda de açúcar. 
Tenham cuidado com o nabo que escolhem. É importante que seja um nabo novo uma vez que os velhos costumam ter bastantes filamentos que não se conseguem triturar, deixando vestígios desagradáveis no bolo.
O resultado final na textura é algo entre o chiffon e o bolo de iogurte, com aquele ligeiro crocante à superficie e um interior leve mas húmido, resultante da incorporação da gema com o açúcar e das claras batidas em castelo. Bom para um lanche ou para uma sobremesa com um dos complementos que já referi acima.

200g de nabo
100g de pêra
200g de chocolate branco
200g de manteiga com sal
150g de farinha 
2 c.chá cheias de fermento em pó
4 ovos, claras e gemas separadas
300g de açúcar branco

Engordurar e enfarinhar uma forma de bolo de 24cm.
Cozer o nabo com a casca até conseguirem espetar um garfo sem qualquer resistência. Retirar a pele e reservar.
Enquanto o nabo coze, peneirar a farinha com o fermento numa pequena tigela.
Numa tigela grande, bater as gemas com o açúcar energicamente até obter uma mistura esbranquiçada e homogénea.
Derreter o chocolate e a manteiga em banho maria, mexendo ocasionalmente para os misturar.
Descascar a pêra e colocar num copo medidor com o nabo cozido. Triturar com a varinha mágica até ficar um puré totalmente suave e cremoso. Reservar.
Bater as claras em castelo.
A esta altura, pré-aquecer o forno a 180ºC com a prateleira no meio.
Adicionar a farinha às gemas e ao açúcar, envolvendo até ficar uma mistura homogénea.
Depois de o chocolate e a manteiga estarem completamente derretidos e bem misturados, adicioná-los ao preparado anterior, envolvendo cudiadosamente com a colher de pau até ficar novamente uma massa homogénea. Não se assustem se a certo ponto parecer que algum liquido não se vai incorporar, façam o melhor que puderem. Depois, acrescentar o puré do nabo e da pêra e envolver novamente, que já deve ajudar para uma mistura mais consistente.
Por fim, adicionar as claras em castelo a pouco e pouco, envolvendo cuidadosamente para não quebrar as bolhas de ar. O resultado final é uma massa relativamente liquida, mas se acharem que está liquida demais, acrescentem mais duas ou três colheres de sopa de farinha e cerca de 1 c.chá de fermento. Desculpem a falta de precisão, mas aqui fiz meio a olho, foi uma questão de instinto.
Levar ao forno durante 40 minutos, reduzindo a temperatura para 160ºC a meio do tempo.
Retirar quando o teste do palito sair limpo.
Servir morno, de preferência, ou à temperatura natural. Simples, com um chá, café, ou uma das sugestões acima.

a ouvir: Cherokee - Cat Power

17.5.13

you say you want a revolution, well you know...

Sou pessoa de poucas mas fortes convicções.
Hoje que se celebra a revolução da comida (pela comida, pela alimentação) relembro uma delas, a mais forte, provavelmente.

Para dar a conhecer, lembrar e relembrar, aqui está o quanto baste, o somatório de três anos de muita conversa, muita escola, muita aprendizagem.

Este é o meu manifesto e pouco mais tenho a dizer, só a fazer.











mais aqui.


a ouvir: Revolution - The Beatles




14.5.13

Quando a comida surpreende #1

E foi isto o melhor que comi em Londres. O pequeno-almoço no Broadway Market.

Ou pelo menos, o que melhor me soube. Isto e um hamburguer com batatar fritas com uma Heineken de 1/2 litro (aka pint) à pressão.



Bagel de queijo-creme e salmão fumado com sumo de beterraba, maçã, cenoura, gengibre e uma espremidela de limão. Glorious.


a ouvir: While You Wait for the Others - Grizzly Bear

2.5.13

O monstro (ou o peixe) precisa de amigos

 É um admirável oceano novo onde sou pato e não peixe. Aproveito e exploro até ao tutano o pouco / os poucos que conheço, porque são poucos e bons. Como as oportunidades são poucas a exigência é grande e raramente falho pontaria. 
Mas não quero ser pau de cabeleira de tubarões, quero tornar-me, não um deles, mas parte deles, familiar ao seu mundo. É dificil arranjar metáfora com peixes que se adapte a esta minha posição, o António Vieira esgotou-as todas, malandro.
O entusiasmo é tão grande que tenho uma constante sensação de estar perto de roçar o ridículo.

Mas falemos de Peixe. Não é grande o testemunho que posso aqui deixar, mas é franco, apaixonado (strong word?) e acredito que possa servir de referência para alguns, principalmente para os que dúvidam do verdadeiro valor da experiência, comparativamente ao que tem de pagar porque, sejamos honestos, só a entrada pode já fazer moça nos magros bolsos de muitos. Vale a pena? Venham informados, preparados, procurem saber se não sabem, aproveitem bem e valerá cada cêntimo. Se não, não prometo nada. E venham acompanhados, para partilhar.

Foram dois dias, um e 1/4 para ser mais exacta, mas que me encheram por completo as medidas. Surpreendente a cada instante. Saberes e sabores, texturas, pessoas, ambientes. Foi inspirador e só espero aproveitar a onda enquanto se mantém alta. Foram quatro degustações, um showcooking com o the one and only Tomoaki, muitas primeiras vezes, duas harmonizações de vinhos da José Maria da Fonseca com dois chefs de veneração que puseram um sorriso absolutamente franco na cara e que de lá não saiu durante o tempo inteiro e mais além: de volta no comboio, admito a hipótese de ter aparentado vestigios de insanidade.
A primeira harmonização foi com o grande Mestre André, não o da Loja mas o da Taberna da Rua das Flores. Tivesse eu um restaurante e seria como o dele. Quatro pratos, quatro vinhos. Frescura e diversão no palato do início ao fim. 
No geral, o chef salientou a importância de, em cada prato, criar uma relação lógica, de natureza, entre o prato e o vinho. O humor do chef é transversal a tudo o que diz, faz, como faz e é cativante ver esse humor balançado com um brio, atenção e profissionalismo pelo que decide cozinhar, pelo modo como o faz e pelos alimentos que escolhe. Um designer de corpo inteiro.


Comecei pelo melhor: a Ostra Maria. A minha primeira vez com ostras. Acompanhado com um Roxo Rosé, as ostras são do Sado - o mesmo terroir do vinho (a tal relação), servidas numa taça de espuma de funcho, coentros e soda de água de tomate. Foi fantástico. Agora sim sei a que se referem os que falam do sabor a mar das ostras, contrabalançado com a frescura da espuma que lembra o nosso gaspacho. É beber / comer (porque se come as ostras com colher e se bebe a espuma) e ser transportada para o meu universo idílico estival.
Seguiu-se o Tiradito, nome influenciado pela comida de rua chilena. Acompanhado de Verdelho (not so good) A corvina (!) foi fumada em cataplana no carvalho das castas do vinho, servida sobre algas marinadas e molho djang, um agri-doce distinto coreano.
O Chipiron, denominado sob os udon noodles que o compõem, foram um 3º prato muito bem "metido". De sabores suaves e frescos, a massa foi envolvida na tinta de chocos e coentros, acompanhada com umas lulas tenras, quase cruas para conservar a humidade, salteadas com azeite e alho. Só não gostei tanto do vinho de 204 castas, que tanto que tinha, pouco me pareceu realmente ter.
Para fechar André deliciou-nos com uns Rojões de Cação com Amêijoas, que são nada menos que a melhor versão de Carne de Porco à Alentejana que comi. Capaz de converter qualquer purista de comida alentejana e/ou de carne de porco e/ou deste prato específico, o cação substitui a carne, sendo apenas salteado num pouco de banha e com os restantes temperos típicos do prato e as incontornáveis amêijoas, acompanhado por doces quadrados de batata-doce e mandioca fritos, finalizados com a pièce de resistance que é a ova de polvo seca ralada - "uma força do mar" parafraseando e subscrevendo o chef. O vinho a acompanhar foi o Qta de Camarate Branco Doce, de todos o meu preferido. No fim de tudo, não fosse a pouca vergonha da minha veia alentejana gulosa, pedi pão para "limpar" o prato. E pão veio para todos. Não tem de quê.

Next on the line, o grande Tomo e os seus peixes.
O cenário era entusiasmante, onde o bizarro cruza o exótico e o familiar, e peixes enormes (para mim) não identificáveis com objectos estranhos aparentemente atravessados na goela convivem lado a lado com outro mais conhecido pargo, ouriços do mar, flores, um simpático barquinho oriental para compor o cenário, flores, folhas e umas tangerinas encore que marcavam a presença da Quinta do Poial, que de resto foi a fornecedora oficial de quase tudo o que veio da Terra para os pratos do Tomo. E quando digo quase tudo refiro-me inclusive à palha de trigo usada para brasear um peixe galo. Se há chef que sei que iria ser sublime num evento como o Cook it Raw é o Tomoaki. Ele é ouriços do mar recheados com uma mistura de esperma de peixe e miso, ovas de ouriço e merengue, é geleia de miolo de navalheira servida dentro da casca inteira de uma tangerina, é o tal peixe galo envolto numa alga com arroz, fermentado, braseado e servido sobre um sorvete de azeda, com uma tempura de alho-francês e as pequenas folhas de wasabi e mizuna e a finalizar um rolo de fígado de tamboril, preparado à semelhança de foi gras mas embebido em água do mar em vez de leite, enrolado com erva chinesa (not sure what was that…) e alho aromático. 
No meio daquele pequeno show, porque foi realmente o show, Tomo falou-nos da importância enorme que os vegetais tem na cozinha japonesa - pessoalmente não sei se acredito que sejam mais importantes que o peixe, tal como ele disse, mas são certamente o elemento que pode elevar o estatuto a qualquer prato. Falou-nos do nosso peixe que é o melhor, sim, mas sacrilegamente manejados. Falou-nos dos ritmos e rituais da cozinha japonesa, dos meses de preparação e minutos de finalização, da importância do saber manejar uma faca e da repulsa à máquina por causa da forma como esta afecta os sabores e falou-nos também da importância do conhecimento das bases de qualquer gastronomia tradicional para depois poder aplicar essa técnica e mantê-la eternamente, ainda que com utensílios diferentes.

A segunda harmonização com o Paulo Morais foi encantadora. Sim, encantadora é a palavra. Porque o senhor, grande senhor, é encantador por muitas vezes desarmou-me completamente. Tendo a ser uma pessoa de gostos extremos no que diz respeito à comida, e se há coisa tão boa do que comer uma coisa familiar e saber exactamente àquilo que estamos à espera, é comer algo absolutamente inesperado. Algo que não me entregue os ingredientes de bandeja, algo de sabor único, paradoxalmente vivo e presente mas suave.
O Verdelho a abrir o repasto, acompanhou a Caldeirada que Paulo Morais serviu como primeiro prato foi a solução encontrada para não repetir "a grande caldeirada" que fez no primeiro PEL em que o Umai participou. O peixe foi finamente fatiado e colocado directamente no prato de servir, coberto depois pelo caldo a escaldar, onde acabou por cozer. Francamente boa, com o toque invariavelmente oriental da gengibre e da lúcia-lima e os sabores tipicos do tomate, pimento e coentros bem presentes. O pormenor da batata palha não é de todo de menosprezar, gostei do crocante. :)
O prato que se seguiu foi o Sporting, que me fez gostar ainda mais dele, e é nada menos que um California Maki desconstruído. Acompanhado por um Roxo Rosé, o prato era constituido por dois exemplares típicos do Maki, ladeados por uma versão com o arroz triturado no sifão e transformado em espuma sobre uma tempura de camarão com polme de alga nori e uma base de gelatina de pepino, abacate e alface, tudo com o ar "de sua graça" de wasabi com sumo de lima. Muito bom, principalmente a tempura e o ar, mas no meio do que já foi e do que vinha a seguir, não foi de todo o meu preferido. Gostei acima de tudo da ideia de desconstruir e das soluções encontradas. É a veia de design ali a pulsar.
O terceiro prato, ainda que prato não seja a palavra mais apropriada, desarmou-me completamente. Não tivesse comido mais nada de jeito no PEL e teria valido a pena por isto. Dentro de uma latinha dourada eis que dois pequenos macarrons verdes surgem do seu interior. A descrição do macarron, merengue de alga nori e recheio de fígado de tamboril, pouco espanta os presentes e tampouco a mim me encantou a perspectiva, que de macarrons sou pouco apreciadora. Mas quando se leva a boa a visão é outra. São as  três sensações do gosto que Savarin a passarem plenamente pela minha boca. O toque directo das duas texturas a quebrarem-se, misturarem-se e tocarem nos meus dentes e lingua e céu da boca. O gosto completo do leve e doce sabor do merengue a falar e a deixar-se envolver no creme ligeiramente salgado e incisivo do fígado de tamboril. E a confirmação de tudo no fim, a reflexão que leva à dilatação da pupila e a sons contidos por decoro e interjeições religiosas. Para melhorar, a acompanhar foi servido o melhor vinho de todos, um Quinta de Camarate Branco Doce. O mais curioso é que tinha também sido o meu preferido na harmonização anterior, sem que me apercebesse que era o mesmo desta vez.
De seguida veio uma fusão de muitas coisas boas: triologia de pão naan recheado com conservas: a primeira de cavala e kimchi, seguida da de salmão selvagem, miso e gordura de pato, e a terceira de bacalhau negro. Tudo com um molho de gemas, outra coisa que não consigo ler nos meus apontamentos, mirin e alho-francês e sweet chilli on the other side.
At last, but obviously not least, a sobremesa. Estava com algum medo do que de lá vinha. A sobremesa é aquele prato que queremos que nos faça feliz, mais não seja por ser o último. Não querendo exagerar, não há nada pior numa refeição que terminá-la com uma má sobremesa. Mas esta foi surpreendentemente surpreendente, passo a redundância. Achei incrível como todos os elementos, ainda que comidos em conjunto, se conseguiam destacar e distinguir na perfeição, sem que nenhum anulasse outro. O toque de gengibre no brownie que cobria o fundo da taça era claramente perceptível (o melhor brownie que já comi), a textura e intensidade eram as ideais e o sabor infalível. Depois o coulis e os pedaçinhos de morango vieram, literalmente, animar (como quem diz dar vida) aos sabores, mas simultaneamente tocados leve, levemente, como quem chama por eles (desculpem, mas isto realmente inspira) pela espuma de moscatel. Tudo finalizado com o crocante bem encaixado da touille de sementes de sésamo. Curiosamente só achei que estava uma coisa a mais: a bebida. Mais curioso ainda ser essa bebida um Moscatel, a minha bebida de eleição, este de Setubal, Colecção Privada DSF. Era doce demais, não senti que acrescentasse algo ao doce. Ainda assim, sublime.

Depois foram, obviamente, as degustações pela praça do Pátio da Galé.
A famosa Avelã3 do Avillez, com aquelas matreiras pedrinhas de sal a intensificar todo o sabor da avelã, very nice indeed.
O famoso prego de atum da Taberna da Esquina. Se os olhos comessem não escolheriam aquilo, decerto, mas é realmente bom. O molho do prego estava exactamente como se quer e a carne do atum no ponto.
A sobremesa do Assinatura… aqui evoco a 5ª emenda.
E as vieiras (outra primeira vez!) marinadas com guacamole do Avillez. Boas, mas não serviram nem como amuse bouche… queria mais, mas ao mesmo tempo é ridículo pensar que alguma vez comeria tipo 20 coisas daquelas numa refeição.

Peixes, vemo-nos para o ano. Eu agora, se me dão licença, vou para Londres passar uns dias e almoçar no Nopi.
See you when I see you! :)


26.4.13

vermelho vinte verdade vida viva!

Esta é a madrugada que eu esperava
o dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen in O Nome das Coisas, 1977



Sinto estas palavras no meu âmago com o fervor de quem as viveu, de quem anseia por re-conhecer-saber-sentir aquilo que representam.

Feliz este quente 25 de sol, de cravos e liberdade.
Feliz porque existimos aqui e agora .
Feliz porque na mais velha casa de janela de madeira e vidro podemos encontrar, bem de manhazinha, a velhinha a regar as sardinheiras no parapeito da janela. Para mim, na casa onde ainda se vê flores na janela é sinal de que se acredita, ainda que seja somente acreditar na hipótese de voltar a acreditar.

E porque não, feliz este dia 25, o primeiro do ano com familia reunida à volta da mesa no nosso jardim. Cada qual com os jeitos, trejeitos, defeitos e feitios de sempre. Diferenças mil a dividir por quatro, mas de consenso total no momento cabal em que a colher toca o palato. Depois sente-se: directa, completa e por fim reflectidamente.


"Estamos na praça da Primavera..."








Fiz queijo :)


"snuggly accommodated" enough Mr. Ottolenghi?





Apesar de ter uma forte sensibilidade olfactiva e gustativa, tenho alguma dificuldade em associar ou comparar sabores e ingredientes. Há certas coisas que me remetem fortemente a algo mas não consigo dizer o quê. Tudo isto para dizer que, posso estar completamente errada e confundida com outra coisa, mas o ruibarbo assado lembra-me Nestum multifrutos. Já da primeira vez que o provei, na Quinta do Poial, tive essa sensação e tive-a hoje novamente. E é maravilhoso. Do cheiro ácido mas gostoso do seu estado cru ao resultado final tenro, envolto nos aromas da baunilha, raspa de limão e moscatel dá-se uma transformação tremenda.
Da próxima vez irei aventurar-me na sua versão salgada, eventualmente uma galette com mais coisas boas da Primavera, eventualmente ervilhas e courgette. Stay tuned.






Ruibarbo assado com Labneh adocicado
receita de Yotam Ottolenghi

Fácil, fresco, fantástico e feliz. 
O labneh é muito fácil de fazer e se não tiverem um pano de musselina ou pano de linho não há problema. Basta gaze e um escoador e fazer como menciono abaixo. A maneira como descrevo está invariavelmente ligada ao método que utilizei, mas se tiverem um pano de linho ou musselina podem clicar no link e seguir os passos da receita original. O resultado final é muito muito bom: muito mais denso que natas batidas, o que é o que se quer porque é parte dos componentes principais e não uma guarnição, tão espesso como queijo creme batido mas muito mais leve e mais cremoso e, obviamente, muito mais interessante que o simples iogurte grego porque e menos húmido e mais compacto. Se não tiverem curiosidade ou paciência para fazer o queijo obviamente que o iogurte grego é sempre uma alternativa, principalmente se se quer transformar esta sobremesa num pequeno-almoço auto-generoso.

800g de iogurte natural
80g de açúcar em pó
sal

400g de ruibarbo
100ml de moscatel
70g de açúcar
1/2 vagem de baunilha
casca de um limão, metade cortada em tiras fininhas (cerca de 2mm e espessura), metade ralada

20g de pistáchios, grosseiramente picados


Colocar uma peneira sobre um recipiente relativamente fundo (vejam a imagem). Utilizar cerca de 5 compressas de gaze normais para cobrir a peneira por igual, deixando as pontas de fora, de forma a que fique uma "malha de rede" bastante fina.
Colocar o iogurte numa tigela com o açúcar em pó e 1/4 c.chá de sal. Misturar bem e verter sobre a peneira. Cobrir com as pontas da gase, colocar uma última sobre tudo, pressionar ligeiramente e cobrir com um prato de sobremesa, para que mantenha uma ligeira pressão.
Colocar no frigorífico e deixar o líquido escorrer de um dia para o outro.

Pré-aquecer o forno a 180ºC.
Lavar e cortar o ruibarbo em batonetes de 6cm.
Colocar o ruibarbo numa travessa de forno onde caibam confortavelmente e envolver com o moscatel, o açúcar, a vagem e as sementes de baunilha e as tiras de limão.
Levar ao forno, a descoberto, durante 20 minutos, até o ruibarbo ficar tenro mas não mole. Reservar.

Antes, passar a mão por baixo da peneira para retirar qualquer soro que ainda possa ter do iogurte.
Retirar a gaze cuidadosamente e colocar numa tigela e misturar com a raspa de limão.
Colocar uma colherada generosa de labneh em cada prato, cobrir com o ruibarbo e o xarope que resultou da sua cozedura e finalizar com os pistáchios.


serve 4



a ouvir: A noite passada - Sérgio Godinho